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Data: 12 de julho de 2022
Postado por: Gustavo Manica

A ação de despejo na recuperação judicial

Imagem ilustrativa do advogado da CPDMA que trabalha com ação de despejo e recuperação judicial.

Empresas que ajuízam ação de recuperação judicial e têm o desenvolvimento de suas atividades em imóveis locados, poderão, caso haja inadimplemento, enfrentar ação de despejo, mesmo que o crédito esteja arrolado no quadro de credores. Acerca desse tema, existem algumas questões importantíssimas sendo tratadas nos tribunais quanto à suspensão da demanda e sobre a retomada do bem durante o período de processamento da recuperação judicial.

Antes de mais nada é importante destacar que a ação de despejo poderá ocorrer por diferentes fundamentos de acordo com a Lei do Inquilinato (Lei 8.245/191). O mais comum, em se tratando de empresas em recuperação judicial, é o pedido de despejo por falta de pagamento (art. 9.°, II). A ação também poderá ser fundamentada pelo mero descumprimento contratual (art. 9.°, I), ou tratar-se de ação por denúncia vazia quando decorrido o prazo estabelecido no contrato (art. 46, §2°).

Para a Lei 11.101/2005, que regula a recuperação judicial das empresas, a causa de pedir na ação de despejo é fundamental para a definição da manutenção da posse da recuperanda no imóvel locado, isso porque os atos de constrição ficam suspensos enquanto a recuperação estiver sendo processada. Para tanto, a primeira análise a ser feita é se o pedido de despejo é baseado no inadimplemento de crédito que está sujeito à recuperação.

Não há dúvidas que os créditos constituídos antes do ingresso da recuperação judicial são sujeitos ao plano de reestruturação. Porém, quando é pleiteada em juízo a retomada do imóvel locado, inicia-se uma discussão entre o direito de propriedade e a preservação da empresa recuperanda. O primeiro buscando um viés constitucional defendendo a propriedade como um direito absoluto, o segundo defendendo o interesse social gerado pela manutenção da atividade econômica.

A corrente que defende a impossibilidade de despejo baseado no inadimplemento de crédito sujeito utiliza-se do argumento insculpido no art. 6.º da Lei 11.101/2005, que trata das suspensões dos atos de constrição. Entendem que, uma vez suspensa a exigibilidade do crédito, os efeitos do inadimplemento não podem atingir o locatário e, sendo o despejo um desses efeitos diretos, deverá ficar suspenso até a aprovação ou rejeição do plano.

Além disso, essa tese ganha força quando comparada aos demais credores ditos proprietários destacados no art. 49, § 3.° da mesma lei. Esses comumente chamados "credores proprietários”, que são, por exemplo, aqueles garantidos alienação fiduciária de bens, não estão sujeitos aos efeitos da recuperação, porém estão impedidos de retirar bens de capital que são essenciais à atividade da recuperanda. Nessa linha, se o credor que também é proprietário do bem e que sequer está sujeito à recuperação judicial não pode retomar o bem, não há razão para abrir exceção ao locador cujo crédito está sujeito à recuperação.

A via que defende a não suspensão da ação de despejo baseia-se no direito à propriedade que está insculpido na Constituição Federal, art. 5º, XXII (“é garantido o direito de propriedade”), cumulada com a legislação própria a Lei nº 8.245/91 (Lei do Inquilinato). O argumento aí é que esse bem cuja posse foi entregue por cessão temporária e onerosa de uso, não faz parte dos bens de propriedade da empresa, logo não estaria abrangida pelo art. 6º, § 7º-B, da Lei 11.101/05, que refere ser admitida a competência do juízo da recuperação judicial para determinar a suspensão dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial. Por essa razão, não se tratando de bem pertencente ao ativo da empresa em recuperação, não seria o juízo universal competente para decidir sobre a destinação de tal bem.

Existe, porém, um outro problema de ordem processual que está relacionado à definição do juízo competente para suspender a ação de despejo. No Superior Tribunal de Justiça prevalece o entendimento de que "A ação de despejo movida pelo proprietário locador em face de sociedade empresária em recuperação judicial não se submete à competência do Juízo recuperacional" (CC 148.803/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/04/2017, DJe 02/05/2017).

Essa posição vai ao encontro de outros julgados da Segunda Seção, tais como o CC 123.116/SP, DJe 03/11/2014, e AgRg no CC 145.517/RS, DJe 29/06/2016, que entendem que “Em ação de despejo movida pelo proprietário locador, a retomada da posse direta do imóvel locado à sociedade empresária em recuperação judicial, com base nas previsões da lei específica (a Lei do Inquilinato n. 8.245/91), não se submete à competência do Juízo universal da recuperação” (CC 123.116/SP).

Encontra-se, contudo, na jurisprudência, posição divergente - mesmo que ainda minoritária. A 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo já julgou no sentido de que "embora o Juízo da recuperação não tenha competência para presidir a ação de despejo, cabe a ele definir o destino dos bens essenciais à consecução da atividade empresarial das devedoras, como guardião do princípio da preservação da empresa insculpido no art. 47 da lei de regência" e que a "retomada do imóvel essencial fere o disposto na parte final do § 3º do art. 49 da LRF", devendo ser mitigado o direito de propriedade (AI nº 2250318-08.2019.8.26.0000, Relator Araldo Telles, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. 15/04/2020).

Ainda que a Lei 14.112/2020 tenha positivado as medidas de cooperação jurisdicional entre os juízes, encontra-se uma certa resistência dos juízos cíveis que processam os despejos em suspender a retomada dos imóveis, mesmo após os juízes prestarem informações acerca da recuperação judicial e dos efeitos da sujeição do crédito.

Dentre tantas outras situações, ainda pode-se destacar as cláusulas resolutivas expressas por insolvência (cláusula ipso facto) onde a exceção do interesse das partes (pacta sunt servenda) poderá ser observada diante da importância do bem à recuperanda e seus credores, ouvindo-se o juízo da recuperação. O mesmo pode ser utilizado nos casos de cláusula compromissória, onde a escolha pelo juízo arbitral poderá gerar um impasse ante a liminar de despejo e a sujeição do crédito à recuperação. Nesse caso, o mérito submetido ao juízo arbitral não pode ser objeto de deliberação no Poder Judiciário, porém, até que se instalem as deliberações dos árbitros, há, ao nosso ver, mesmo em cognição sumária, a possibilidade de tutela dos direitos da locatária/recuperanda para permanência no imóvel.

Em contrapartida, o inadimplemento posterior ao ajuizamento da recuperação poderá ensejar o despejo da devedora, porque não é possível transmitir ao proprietário o “financiamento” do soerguimento da recuperanda. É dever da recuperanda adimplir com suas obrigações correntes como forma de demonstrar sua viabilidade econômica.

É preciso buscar alternativas para que as redes de varejo, as mais afetadas com o tema, possam ter as mesmas possibilidades de reorganização econômico-financeira que os demais segmentos da economia. Para que isso aconteça é preciso que a cooperação jurisdicional seja eficaz, garantido ao proprietário o recebimento dos aluguéis vencidos (dentro do plano de recuperação judicial) e a vencer (como débito corrente no curso do processo). À devedora, é necessário que se garanta a manutenção das suas atividades para que possa ter o mínimo de previsibilidade na sua projeção de caixa e assim honrar com o seu plano de reestruturação.

Por Thiago Castro da Silva
Equipe CPDMA - Reestruturação de Empresas

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