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Data: 6 de março de 2025
Postado por: Equipe CPDMA

Apuração de haveres em dissolução parcial de sociedade: aspectos legais e práticos

Apuração de haveres em dissolução parcial de sociedade: aspectos legais e práticos

A dissolução de sociedade é um tema de grande relevância no Direito Societário. Seja ela total ou parcial, a retirada, exclusão ou falecimento de um sócio pode gerar conflitos entre os envolvidos, principalmente quanto à apuração dos haveres a serem pagos ao sócio retirante, excluído ou a seus sucessores.

O Código Civil prevê diretrizes gerais para a dissolução parcial e para a apuração dos haveres, mas, na prática, surgem debates sobre a metodologia a ser utilizada, especialmente diante de diferentes interpretações doutrinárias e jurisprudenciais. Um dos pontos de maior discussão é a não aplicação do fluxo de caixa descontado como método principal, conforme entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), a partir do julgamento do RESP nº 1.877.331 – SP, em 2021.

Diante desse cenário, o presente artigo abordará os aspectos normativos da dissolução parcial de sociedade e os métodos de apuração de haveres, analisando as principais decisões judiciais sobre o tema. Além disso, será discutida a importância de cláusulas contratuais bem estruturadas e da celebração de um acordo de sócios para regular o procedimento, bem como a relação dessas condições com a proposta de alteração do Código Civil, recentemente apresentada ao Senado Federal.

Dissolução Parcial de Sociedade: Aspectos Gerais e Previsões no Código Civil

A dissolução parcial ocorre quando um ou mais sócios deixam a sociedade, sem que haja o encerramento completo das atividades empresariais. O Código Civil disciplina a dissolução parcial nos seguintes casos:

  • Retirada imotivada do sócio (art. 1.029, CC) – possível nas sociedades de prazo indeterminado, mediante notificação com antecedência mínima de 60 dias, e nas de prazo determinado, provando judicialmente a justa causa.
  • Exclusão por justa causa (art. 1.030 e 1.085, CC) – ocorre quando um sócio viola seus deveres ou pratica atos que comprometem a continuidade da empresa, podendo ser excluído por decisão dos demais sócios ou judicialmente.
  • Falecimento do sócio (art. 1.028, CC) – salvo disposição em contrário no contrato social, os herdeiros do sócio falecido devem ser indenizados pelos haveres correspondentes.

A apuração de haveres é o processo que determina o valor da participação do sócio que se desliga da sociedade. O art. 1.031 do CC dispõe que, na ausência de previsão diversa no contrato social, a liquidação da participação do sócio retirante deve ser feita com base na situação patrimonial da sociedade na data do evento que causou a dissolução parcial.

Para esse fim, a legislação determina que seja realizado um balanço especialmente levantado na data da resolução da sociedade, o que significa que os registros contábeis devem refletir com precisão a posição patrimonial da sociedade nesse momento. O critério legal para a avaliação dos haveres do sócio retirante é o patrimônio líquido contábil, que corresponde, de forma resumida, à diferença entre ativos (bens e direitos) e passivos (obrigações) da empresa, conforme registrado na contabilidade.

Para complementar o conceito da legislação civilista, o Código de Processo Civil, em seu art. 606, estabelece que, na elaboração do balanço de determinação, os bens e direitos do ativo, tangíveis e intangíveis, devem ser avaliados a preço de saída, assim como o passivo, que deve ser apurado pelo mesmo critério. Isso significa que o contabilista ou economista deve avaliar a empresa como se estivesse em processo de liquidação total, determinando o montante a que cada sócio teria direito. 

No entanto, discute-se se esse método reflete de maneira adequada o real valor da participação do sócio retirante. Em algumas situações, podem existir ativos subavaliados ou passivos não registrados adequadamente, o que pode levar a distorções no cálculo. Por isso, alternativas como o patrimônio líquido ajustado passaram a ser utilizadas, corrigindo determinados valores patrimoniais para refletir melhor a realidade econômica da sociedade.

Métodos de Apuração de Haveres e Perspectivas da Jurisprudência

Até abril de 2021, quando proferido o julgamento do RESP nº 1.877.331 – SP pelo Superior Tribunal de Justiça, a metodologia mais utilizada para apuração de haveres era o fluxo de caixa de descontado (“FCD”). 

Conceitualmente, o FCD é um método que define o valor de um ativo pelo valor presente de seus benefícios futuros esperados em caixa, descontados por uma taxa de atratividade que reflete o custo de oportunidade dos sócios. Em palavras mais simples, trata-se de um método que estima a lucratividade futura do ativo. 

Uma das principais controvérsias quanto à não aplicação do FCD na apuração de haveres está relacionada à avaliação de bens intangíveis, como, por exemplo, a marca de uma empresa. Isso ocorre porque o balanço de determinação, ao ser levantado, simula a dissolução total do acervo líquido da sociedade, enquanto os bens intangíveis possuem valor econômico atrelado à atividade da empresa e à sua capacidade de gerar resultados futuros. Assim, quando a empresa é tratada como dissolvida, esses ativos perdem sua valoração usual, pois seu valor de mercado depende diretamente do funcionamento do negócio.

No entanto, a intenção dos juristas e do legislador foi justamente evitar que o sócio dissidente se beneficie exclusivamente da projeção de lucratividade futura proporcionada pelo FCD, sem assumir os riscos inerentes à continuidade da empresa. Ou seja, não seria razoável que sua participação fosse avaliada com base em expectativas de resultado futuro, enquanto ele não responderia por eventuais prejuízos da operação.

Dessa forma, recomenda-se a utilização do método do fluxo de caixa descontado em operações societárias que envolvam avaliações baseadas em métricas de mercado, como aquisições, incorporações ou fusões, nas quais se leva em consideração exclusivamente as projeções de resultados futuros das empresas-alvo. Ou seja, quando se pensa em investimento.

Já no caso de dissolução parcial de sociedade, a avaliação da participação societária do sócio retirante ou excluído deve ser apurada com base na situação patrimonial da sociedade na data da resolução, conforme os critérios detalhados anteriormente.  

A Importância de Cláusulas Contratuais e do Acordo de Sócios

Conforme elucidado acima, até 2021, o método do fluxo de caixa descontado era amplamente utilizado para avaliar as quotas de sócio retirante, o que revela a insegurança jurídica gerada por decisões controversas nas esferas judiciais e as mudanças contínuas de paradigmas.  

Para evitar a morosidade dos processos societários judiciais, que costumam se arrastar por anos e, muitas vezes, quando concluídos, resultam em empresas inativas e sem recursos para pagar o sócio retirante, é fundamental que os sócios estabeleçam, já na constituição da sociedade, critérios claros para a futura avaliação patrimonial.

Nesse sentido, os sócios podem estruturar métricas ou critérios objetivos para definir como será a avaliação da empresa no caso de saída de sócio, exclusão ou alienação. Embora ninguém inicie um negócio prevendo seu fim, é de suma importância que os sócios estruturem um acordo de sócios com cláusulas que condicionem a revisão futura dos critérios de avaliação, embasados por um valor determinado de aumento de faturamento e de resultados da empresa. Dessa forma, os sócios poderão revisitar os critérios e refletir o cenário mais atual da empresa no caso de uma eventual liquidação parcial ou total.

Assim, é importante que os empresários considerem que os instrumentos societários são os principais aliados das partes, podendo refletir com precisão a real intenção dos sócios.

Proposta de Alteração do Código Civil: Possíveis Avanços

Com o objetivo de fornecer uma regulamentação mais clara e específica para reduzir a litigiosidade associada a esses processos, o anteprojeto de reforma do Código Civil, atualmente em tramitação no Senado Federal, propõe alterações significativas no que tange à apuração de haveres em casos de dissolução parcial de sociedades.

Conforme mencionado anteriormente, o artigo 1.031 do CC estabelece que, na ausência de disposição contratual em contrário, a apuração dos haveres do sócio retirante deve ser realizada com base na situação patrimonial da sociedade na data da resolução, verificada por meio de um balanço especialmente levantado. O anteprojeto sugere uma reformulação deste artigo para adequá-lo ao conceito já existente no Código de Processo Civil, detalhando os critérios e procedimentos a serem adotados na apuração de haveres e buscando uniformizar práticas e minimizar divergências interpretativas.

O objetivo do anteprojeto é diminuir a intervenção judicial nos contratos sociais, proporcionando maior segurança jurídica e previsibilidade aos sócios, ao efeito de que estes, ao constituírem as suas sociedades, elaborem o contrato de forma detalhada para trazer maior segurança aos seus interesses. No entanto, há críticas de que as alterações propostas podem não ser suficientemente específicas para alcançar esse objetivo, mantendo a possibilidade de disputas judiciais devido a interpretações divergentes.

Em suma, a proposta de alteração do Código Civil representa um passo importante na busca por maior segurança jurídica nas relações societárias. Contudo, para que os avanços pretendidos se concretizem, é necessário que o legislador detalhe os métodos e critérios de apuração de haveres, trazendo sugestões para que os sócios consigam definir os melhores critérios de avaliação, minimizando ambiguidades e reduzindo a litigiosidade no âmbito empresarial.

Conclusão

Considerando os aspectos tratados, é fundamental contar com o apoio jurídico especializado para garantir a correta elaboração de atos societários, como contratos sociais e acordos de sócios, prevenindo litígios e assegurando conformidade com a legislação vigente. O suporte técnico adequado contribui para a tomada de decisões estratégicas e minimiza riscos perante um eventual processo de dissolução parcial de sociedade.

Maria Luisa Carvalho Teixeira e Liège Fernandes Vargas

Direito Societário | Equipe CPDMA

REFERÊNCIAS:

Recurso Especial nº 1.877.331 – SP, Terceira Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/04/2021. 

ASSAF NETO, Alexandre. Valuation: métricas de valor & avaliação de empresas. 2. ed.  São Paulo: Atalhas, 2017. 

NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil comentado. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 11 jan. 2002.

BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 17 mar. 2015.

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