O sentido de existir de uma empresa é a obtenção de lucros com o menor custo possível. Esse é um mantra que ecoa há tempos, uma fórmula simples, mas de difícil operacionalização, já que a realidade não é tão “preto no branco”. Todo empresário que almeja continuidade no mercado em que atua deve ficar atento aos seus indicadores em todos os níveis, fazendo uma espécie de “controle de pressão” e se ajustando conforme a sua oscilação.
O “beabá” empresarial nos ensina que devemos controlar os custos (matéria-prima, mão- -de-obra, transportes) e aplicar o seu aumento ao preço final, observando a capacidade de demanda. Considerando a resposta do mercado – clientes e concorrência –, nosso feeling dirá se podemos aumentar ou se devemos diminuir a margem de lucro.
Porém, um dos fatores que assusta e que pode trazer dificuldade de ser controlado é o fluxo de inadimplência. É que, muitas vezes, o faturamento não representa resultado financeiro, e nenhum cliente está imune de gerar inadimplência. Essa é, por exemplo, uma das razões que faz as empresas optarem pela adoção do regime de caixa em sua contabilidade, principalmente quando o seu fluxo de caixa é baixo ou a empresa já vem operando com capital de terceiro.
O célebre investidor Warren Buffett já nos ensinava que a regra mais importante que devemos observar no mundo dos negócios é não perder dinheiro, mas como não perder dinheiro se o crédito está arrolado a um processo de recuperação judicial? Para isso, o bilionário que foi ao topo da revista Forbes em 2008, e que ainda segue entre as três personalidades mais ricas do mundo, tem uma frase ainda mais inquietante: “risk comes from not knowing what you're doing” (em tradução livre: o risco aparece quando você não tem ideia do que está fazendo). Adaptando para este contexto, pode-se dizer que, quanto menor o conhecimento em um processo de recuperação, maior será o seu risco.
Infelizmente, o empresário brasileiro segue com uma visão distorcida do processo de recuperação judicial, acreditando piamente que crédito submetido a esse processo é um crédito perdido ou de difícil realização. Tal como o “Mito da Caverna”, de Platão, em que o sentimento predomina sobre a razão, nosso empresário não consegue enxergar a importante ferramenta que é esse instituto que prioriza a participação dos credores. Isso porque, ele enxerga apenas as sombras de um instituto estigmatizado pela famigerada concordata, e isso é um grande erro. Por outra, é prisioneiro de uma falsa percepção de realidade, abdicando da razão, do mundo inteligível, que pode oferecer uma saída real para a situação de crise.
O instituto da Recuperação Judicial, regido pela Lei 11.101/2005, busca trazer equilíbrio entre credores e o devedor. Tomando como norte o princípio da preservação da empresa, a Lei confere autonomia aos credores, para decidir acerca dos aspectos mais relevantes durante o processo de reestruturação, tais como aprovação ou rejeição do plano de recuperação, bem como eventual pedido de desistência do processo pela devedora. Os credores também podem escolher o gestor judicial, em caso de afastamento dos sócios administradores.
Ao receber a informação da sujeição do seu crédito em um processo de recuperação, o credor deve, primeiramente, verificar se está sujeito ou integra o rol de créditos que não se submetem aos efeitos da recuperação judicial, como nos casos dos créditos com alienação fiduciária, o leasing, o contrato de venda com reserva de domínio, entre outros. Para apresentar qualquer tipo de irresignação quanto ao crédito, o credor deverá ficar atento aos prazos de divergência, impugnação e habilitação de crédito.
Outro momento importante para o credor é o da apresentação de objeção ao plano de reestruturação, porque, só assim, com o esboço de ao menos uma objeção, é que o juiz estará autorizado a convocar a assembleia de credores. Em outras palavras, se o plano apresentado pela empresa devedora não tiver nenhuma objeção, será considerado aprovado tacitamente e, claro, todas as condições ofertadas passam a ter validade. Ao credor, é relevante a deliberação em assembleia, para ajustar as condições de pagamento o mais próximo do ideal, respeitados o sacrifício que a recuperanda pode ofertar em prol do cumprimento de suas obrigações e as limitações financeiras da devedora.
Nesse sentido, para que o credor tenha bons elementos para negociação, é imprescindível que analise o plano de recuperação com profundidade; que possua conhecimentos na matéria, para identificar eventuais cláusulas abusivas; que consiga identificar a relevância de seu voto dentro da classe a que pertence; que busque capacitação técnica para avaliar se a projeção de pagamento apresentada é realizável; e, por fim, que pese na balança se a falência não seria uma solução mais benéfica do que a reestruturação empresarial apresentada à Justiça e aos credores.
Apenas com essa minuciosa análise é que o credor terá a certeza de que a sua quota de sacrifício (deságio e alongamento dos prazos de pagamento) não está além no mínimo necessário para a devedora se reestruturar. De outra parte, a devedora que apresentar um plano factível, para credores que detêm conhecimento da matéria, terá a garantia de um debate técnico e a aprovação de um plano dentro da sua realidade financeira.
Source: Wagner Luís Machado, attorney at Cesar Peres Dulac Müller, specializes in Business Law.