O ordenamento jurídico brasileiro estabelece que a aquisição de personalidade jurídica pelas sociedades se dá com a inscrição de seu ato constitutivo no respectivo registro. Contudo, tal momento apenas externaliza o ânimo preexistente dos sócios estarem juntos para a constituição de uma sociedade. Ou seja, diferentemente de outras relações contratuais em que as partes assumem posições opostas, a característica fundamental da relação societária é o objetivo em comum almejado pelos sócios, qual seja, a affectio societatis.
Na doutrina de João Eunápio Borges, ressalta-se que a affectio societatis tem conteúdo essencialmente de natureza econômica. Funda-se, portanto, na intenção dos sócios, no momento de constituição da sociedade, de cooperar ativamente para a realização da obra ou empresa comum.
Desta forma, a affectio societatis constitui elemento subjetivo característico e impulsionador da sociedade, representando a convergência de interesses dos sócios para alcançar o objeto definido no contrato social.
Em sociedades empresárias como as limitadas, em que a afeição pessoal entre os sócios se torna vínculo fundamental para a formação da sociedade, o indivíduo e suas características pessoais predominam sobre o capital que ele possa vir a agregar à sociedade.
Ocorre que a manutenção da sociedade empresária está amparada, igualmente, na necessidade de alcance de sua função social; ou seja, à conquista de um objetivo útil, não somente para os sujeitos diretamente envolvidos, mas também para a sociedade.
O Direito Societário, portanto, precisa oferecer instrumentos e formas de se permitir a manutenção da sociedade – e da empresa –mesmo em situações nas quais os seus sócios não mantenham um bom relacionamento entre si.
Neste contexto, a dissolução parcial e a exclusão de sócio são fenômenos diversos. Na primeira, pretende o sócio dissidente a sua retirada da sociedade, bastando-lhe a comprovação da quebra da affectio societatis; na segunda, a pretensão é de excluir outros sócios, em decorrência de grave inadimplemento dos deveres essenciais, colocando em risco a continuidade da própria atividade social.
Em outras palavras, a exclusão é medida extrema que visa à eficiência da atividade empresarial, para o que se torna necessário expurgar o sócio que gera prejuízo ou a possibilidade de prejuízo grave ao exercício da empresa. Nesse caso, é imprescindível a comprovação do justo motivo.
Entretanto, o problema se dá quando a efetiva quebra da affectio societatis é consequência da prática de falta grave pelo sócio majoritário. No caso, o Código Civil de 2002 estabelece que o sócio pode ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda, por incapacidade superveniente (artigo1.030).
Assim, na exclusão judicial de sócio em virtude da prática de falta grave não incide a condicionante prevista no artigo 1.085 do Código Civil, somente aplicável na hipótese de exclusão extrajudicial de sócio por deliberação da maioria representativa de mais da metade do capital social, mediante alteração do contrato social.
Essa, a propósito, foi a compreensão adotada no julgamento do REsp 1653421/MG, pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO SOCIETÁRIO. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. SÓCIO MAJORITÁRIO. PRÁTICA DE FALTA GRAVE. EXCLUSÃO. ART. 1.030 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. SÓCIOS MINORITÁRIOS. INICIATIVA. POSSIBILIDADE.
- Controvérsia limitada a definir se é possível a exclusão judicial de sócio majoritário de sociedade limitada por falta grave no cumprimento de suas obrigações, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios.
- Nos termos do Enunciado nº 216/CJF, aprovado na III Jornada de Direito Civil, o quórum de deliberação previsto no art. 1.030 do Código Civil de 2002 é de maioria absoluta do capital representado pelas quotas dos demais sócios.
- Na apuração da maioria absoluta do capital social para fins de exclusão judicial de sócio de sociedade limitada, consideram-se apenas as quotas dos demais sócios, excluídas aquelas pertencentes ao sócio que se pretende excluir, não incidindo a condicionante prevista no art. 1.085 do Código Civil de 2002, somente aplicável na hipótese de exclusão extrajudicial de sócio por deliberação da maioria representativa de mais da metade do capital social, mediante alteração do contrato social.
- Recurso especial não provido. (REsp 1653421/MG, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/10/2017, DJe 13/11/2017)
Desta forma, o artigo 1.030 do Código Civil, ao dispor que a exclusão judicial é de ‘‘iniciativa da maioria dos demais sócios’’, de modo claro e expresso, determina que, para a decisão sobre a promoção da ação de exclusão judicial, não é computada a participação social do excluendo.
Logo, torna-se possível a exclusão de qualquer sócio, independentemente de sua participação no capital social, o que significa dizer que o majoritário pode ser excluído, judicialmente, pela minoria.
Fonte: Geovane Machado Alves, advogado da Cesar Peres Dulac Müller, é especialista em Direito Tributário.