O creditamento, pelo adquirente, em relação ao ICMS destacado nas notas fiscais de compra de mercadorias de contribuinte incluído no regime especial de fiscalização, pode ser condicionado à comprovação da arrecadação do imposto.
Em síntese, esse foi o entendimento exarado pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do Agravo em Recurso Especial 1.241.527-RS, realizado no dia 19 de março, no qual litigavam o fisco estadual e uma sociedade empresária gaúcha.
Na ocasião, por unanimidade, os ministros reconheceram a constitucionalidade do Decreto 48.494/2011 e seu Regime Especial de Fiscalização (REF) no Rio Grande do Sul, mantendo entendimento do Tribunal de Justiça de que o aproveitamento do ICMS nas notas fiscais, de contribuinte neste regime, se sujeita, sim, à prova de arrecadação.
O creditamento pelo adquirente em relação ao ICMS destacado nas notas fiscais de compra de mercadorias de contribuinte devedor contumaz, incluído no regime especial de fiscalização, pode ser condicionado à comprovação da arrecadação do imposto, não havendo que se falar em violação dos princípios da não cumulatividade, isonomia, proporcionalidade ou razoabilidade. (AREsp 1241527/RS, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/03/2019, DJe 26/03/2019)
Em outras ocasiões, o STJ já havia reconhecido que a antecipação tributária imposta ao contribuinte, como forma de sanção pela sua contumaz inadimplência, não teria foro de ilegalidade, porque prevista na lei estadual e devidamente regulamentada.
De qualquer forma, a atual manifestação da Segunda Turma firma um significativo precedente, com consequências substanciais. Atente-se que a decisão do STJ vale não apenas para os adquirentes de mercadorias, mas também para os próprios devedores contumazes que, possivelmente, sofrerão um agravamento em sua crise econômico-financeira.
Objetivando conhecer melhor o assunto, vale ressaltar que, no âmbito do Rio Grande do Sul, segundo a Lei 13.711, de 6 de abril de 2011, e o Decreto 48.494, de 31 de outubro de 2011, considera-se devedor contumaz e, portanto, submete-se ao REF o contribuinte que: (a) deixar de recolher débitos declarados em Guia de Informação e Apuração do ICMS - GIA, em 8 meses de apuração do imposto nos últimos 12 meses anteriores ao corrente, considerados todos os estabelecimentos da empresa; (b) tiver créditos tributários inscritos como Dívida Ativa, em valor superior a R$ 500 mil, decorrentes de imposto não declarado em GIA, em 8 meses de apuração do imposto nos últimos 12 meses anteriores ao corrente, considerados todos os estabelecimentos da empresa; ou (c) tiver créditos tributários inscritos como Dívida Ativa em valor que ultrapasse: 30% do seu patrimônio conhecido ou 25% do faturamento anual declarado em GIA ou em Guia Informativa – GI, previstas nos artigos 174 e 175 do Livro II do Regulamento do ICMS - RICMS.
Desta forma, o contribuinte submetido ao REF fica sujeito: (a) à perda dos sistemas especiais de pagamento do ICMS previstos no RICMS/RS, Livro I, artigo 50; (b) pagamento na ocorrência do fato gerador, exceto nas saídas de estabelecimento varejista, do débito próprio, e, quando for o caso, de responsabilidade por substituição tributária, conforme previsto no RICMS, Livro I, artigo 46, inciso I, alínea ‘‘f’’, e Livro III, artigo 21-B; (c) suspensão do diferimento do pagamento do imposto, conforme previsto no RICMS, Livro III, artigo 1º, parágrafo 4º, nos fornecimentos destinados à empresa enquadrada no REF; (d) obrigatoriedade de pagamento centralizado em um único estabelecimento, conforme previsto no RICMS, Livro I, artigo 40, parágrafo 3º, no caso de empresa com várias filiais; (e) fiscalização ininterrupta no estabelecimento do sujeito passivo; e (f) apresentação periódica de informações econômicas, patrimoniais e financeiras.
Neste caso, as notas fiscais emitidas deverão conter a seguinte observação: ‘‘Contribuinte submetido a REF com vencimento do ICMS no fato gerador; o crédito fiscal somente é permitido mediante comprovante de arrecadação’’. A guia ou comprovante de recolhimento deve acompanhar o trânsito e ser entregue ao destinatário.
A exigência de que a nota fiscal – emitida pelas empresas submetidas ao Regime Especial de Fiscalização – seja acompanhada pelo comprovante de arrecadação, referente ao crédito de ICMS, significa garantir que o tributo destacado será pago à vista.
Quando se tratar de substituição tributária, o destinatário/adquirente da mercadoria também é responsável pelo pagamento do ICMS-ST, conforme o artigo 11, inciso VII, do Livro III do RICMS, sendo solidário nos termos do artigo 14, inciso VI, do Livro I, se não houver a comprovação do pagamento do imposto de responsabilidade por substituição tributária.
Para o STJ, não se trata de instituir nova punição ao chamado ‘‘devedor contumaz’’, mas de impedir que receba um possível prêmio. Caso fosse afastada a aplicação do Decreto 48.494/2011, o contribuinte submetido ao Regime Especial de Fiscalização, além de eventualmente não recolher o tributo, geraria um crédito para o comprador da mercadoria.
Como se observa, na visão do STJ, tal manifestação não representaria a criação de novas sanções aos devedores como meio coercitivo indireto de cobrança, já que várias súmulas do Supremo Tribunal Federal – 70, 323 e 547 – já pavimentaram esta proibição. Para o Egrégio Tribunal Superior, trata-se, tão somente, de afastar um eventual benefício ao devedor contumaz, não havendo que se falar em inconstitucionalidade ou ilegalidade.
Fonte: Geovane Machado Alves, advogado da Cesar Peres Dulac Müller, é especialista em Direito Tributário.