Inegavelmente, a possibilidade de se ingressar com pedido de recuperação judicial no Brasil, com o advento da Lei de Recuperação Judicial e Extrajudicial e de Falência - LREF. (Lei 11.101/05), entregou à nossa sociedade um novo fôlego para o resgate econômico e financeiro das empresas que passam por dificuldades severas no adimplemento de suas obrigações.
A superação da crise, com a preservação da atividade econômica, deve ser o foco de todas as partes envolvidas, uma vez que, mantendo um ambiente saudável de recuperação, é possível garantir a continuidade da geração de empregos, do recolhimento de tributos e o impulsionamento da economia.
Por ser essa a finalidade da Lei, se espera uma participação ativa do ente público, em especial o Fisco, que na maioria das vezes é o grande interessado na retomada das empresas, por ser o maior credor do passivo e por poder prosseguir com o recolhimento de novos tributos e a quitação de obrigações vencidas.
De início, o Código Tributário Nacional (CTN), de forma expressa, definiu que os créditos tributários não são objeto de renúncia ou transferência. Disso resulta na impossibilidade de sua sujeição aos efeitos do processo de recuperação judicial, trazendo consequências no prosseguimento de ações que visam à cobrança autônoma de dívidas fiscais.
A LREF, em seu artigo 6º, prevê a suspensão de todas as ações e execuções movidas em face da recuperanda. Contudo, em diretriz exatamente oposta, dentro das exceções constantes no artigo, há a previsão do parágrafo 7º, que permite o prosseguimento de execuções de natureza fiscal, “ressalvada a concessão de parcelamento”. Em síntese, se não houver parcelamento da dívida tributária, o período de proteção previsto na Lei é ineficaz às obrigações de natureza tributária.
A continuidade das execuções fiscais produz, fatalmente, a constrição de bens que integram o patrimônio das recuperandas, expondo ao risco o cumprimento do plano de recuperação. Então, em homenagem ao princípio da preservação da empresa, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) se posicionou, em meados de 2015, com a publicação do enunciado nº 8 da edição nº 37 da “Jurisprudência em Tese”. A tese fixada: O deferimento da recuperação judicial não suspende a execução fiscal, mas os atos que importem em constrição ou alienação do patrimônio da recuperanda devem se submeter ao juízo universal.
O que se operou, na prática, foi a suspensão das execuções fiscais. Ou, pelo menos, a tentativa de um caminho que permitisse, no decurso da recuperação, que as empresas não perdessem a posse de bens primordiais ao prosseguimento de suas atividades. Alguns juízes, entretanto, vêm ignorando o enunciado, pois recorrentemente determinam a constrição de bens e/ou ativos das empresas, no bojo das execuções fiscais.
Provocado por inúmeros recursos, e com a necessidade de consolidar a jurisprudência sobre o tema, o STJ entendeu por cadastrar o Tema 987 dos Recursos Repetitivos, que pretende definir a questão acerca da “possibilidade da prática de atos constritivos em face de empresa em recuperação judicial, em sede de execução fiscal”. Enquanto não se posiciona no mérito, a corte superior determinou a suspensão de todas as ações análogas.
Em paralelo, tramita no Congresso Nacional, desde maio de 2018, o Projeto de Lei 10.220, que propõe alterações significativas à LREF. Seria uma oportunidade do ente público participar ativamente da recuperação judicial, principalmente no momento em que se questiona o futuro das dívidas tributárias, que atingem patamares altíssimos Brasil afora.
Contudo, o que se tem do projeto em tramitação é a manutenção da exclusão dos créditos tributários do concurso de credores, além da permissão da penhora e a alienação de bens e direitos no juízo que processa a execução fiscal. Claro, isso sem avaliação, por parte do juízo da recuperação, sobre a essencialidade dos bens constritos para a continuidade do negócio.
A aprovação do projeto de lei como se encontra provocará uma desvalorização do processo de recuperação judicial, afastando princípios consagrados, como o da viabilidade da empresa e a preservação da atividade econômica, em prol dos interesses fiscais.
As críticas propostas não têm o propósito de deslegitimar a cobrança do crédito tributário ou mesmo impossibilitar a adoção de medidas que visem ao seu recebimento, muito menos impedir atos de combate à sonegação fiscal.
Porém, o que se espera do Fisco é uma postura mais solidária e colaborativa junto à recuperanda, mostrando interesse no seu soerguimento, sem abrir mão, certamente, do recebimento dos seus créditos, abandonando a postura combativa e conflituosa de constrição de patrimônio, para não matar a ‘‘galinha dos ovos de ouro’’.
Fonte: Augusto Osorio Frantz, advogado da Cesar Peres Dulac Müller, é especialista em Recuperação Judicial.