Em um dos últimos julgamentos do ano de 2020, o STJ confirmou a orientação que vinha sendo observada em seus precedentes: a data do fato gerador da obrigação é o marco temporal para a sujeição do crédito à recuperação judicial (ainda que a liquidação venha a ocorrer em data posterior).
A tese fixada no Tema 1051, submetido ao rito dos recursos repetitivos, encerra controvérsia (observada em sua maioria fora do juízo universal) sobre a interpretação do art. 49, caput, da Lei nº 11.101/2005, que envolvia demandas relativas ao crédito trabalhista, prestação de serviços e de responsabilidade civil.
Em maio de 2020, o STJ havia determinado a suspensão de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versassem acerca da questão relacionada à interpretação do artigo 49, caput, da Lei n. 11.101/2005, “de modo a definir se a existência do crédito é determinada pela data de seu fato gerador ou pelo trânsito em julgado da sentença que o reconhece”, afetando os Recursos Especiais nº 1.843.332/RS, 1.842.911/RS, 1.843.382/RS, 1.840.812/RS e 1.840.531/RS como representativos da controvérsia repetitiva descrita no Tema 1051.
Para fins de verificação acerca da sujeição do crédito, a redação do artigo 49, caput, da Lei nº 11.101/05 dispõe que “estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos”. No caso de quantias ilíquidas, a leitura do mencionado art. 49 vinha conjunta com a regra do § 1º do art. 6º da Lei 11.101/05, a qual estabelece que “terá prosseguimento no juízo no qual estiver se processando a ação que demandar quantia ilíquida”.
Embora o Tema 1051 tenha aberto debate para definir a questão em sede de recurso repetitivo, a tese fixada - “para o fim de submissão aos efeitos da recuperação judicial, considera-se que a existência do crédito é determinada pela data em que ocorreu o seu fato gerador” - consolida orientação há bastante tempo adotada a qual, a propósito, já era observada dentre as “pesquisas prontas” disponibilizadas no site do STJ (1) - ferramenta que permite a busca em tempo real sobre determinados temas jurídicos, organizada de acordo com o ramo do direito ou com grupos predefinidos (assuntos recentes, casos notórios e teses de recursos repetitivos).
De acordo com o Voto condutor do acórdão do Recurso Especial nº 1.840. 531-RS (2019/0290623-2), de relatoria do Ministro Villas Bôas Cueva, “ocorrido o fato gerador, surge o direito de crédito, sendo o adimplemento e a responsabilidade elementos subsequentes, não interferindo na sua constituição. Portanto, ocorrido o fato gerador, considera-se o crédito existente, estando submetido aos efeitos da recuperação judicial.”
Ainda, segundo o Ministro:
“A existência do crédito está diretamente ligada à relação jurídica que se estabelece entre o devedor e credor, o liame entre as partes, pois é com base nela que, ocorrido o fato gerador, surge o direito de exigir a prestação (direito de crédito).
Assim, a prestação do trabalho, na relação trabalhista, faz surgir o direito ao crédito; na relação de prestação de serviços, a realização do serviço.
(...)
Na responsabilidade civil contratual, o vínculo jurídico precede a ocorrência do ilícito que faz surgir o dever de indenizar. Na responsabilidade jurídica extracontratual, o liame entre as partes se estabelece concomitantemente com a ocorrência do evento danoso. De todo modo, ocorrido o ato lesivo, surge o direito ao crédito relativo à reparação dos danos causados.”
Referências a questões inteiramente relevantes, posto que a sentença ou acórdão transitado em julgado, dentre suas eficácias concomitantes, declara o direito do postulante, sendo que, sua existência (definição para fins de sujeição, observada no art. 49) retroage à data do fato gerador.
Em suma, uma vez liquidada a quantia, tem-se por esgotada a competência do juízo da demanda individual, o que remete o credor a proceder a habilitação do seu crédito junto à recuperação judicial.
O balizamento da definição acerca da sujeição conteve, assim, julgamento sob o rito dos recursos especiais repetitivos com a seguinte ementa:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. DIREITO EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CRÉDITO. EXISTÊNCIA. SUJEIÇÃO AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. ART. 49, CAPUT, DA LEI Nº 11.101/2005. DATA DO FATO GERADOR.
- Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nº 2 e nº 3/STJ).
- Ação anulatória e de reparação de danos pela inclusão indevida em cadastro restritivo de crédito. Discussão acerca da sujeição do crédito aos efeitos da recuperação judicial.
- Diante da opção do legislador de excluir determinados credores da recuperação judicial, mostra-se imprescindível definir o que deve ser considerado como crédito existente na data do pedido, ainda que não vencido, para identificar em quais casos estará ou não submetido aos efeitos da recuperação judicial.
- A existência do crédito está diretamente ligada à relação jurídica que se estabelece entre o devedor e o credor, o liame entre as partes, pois é com base nela que, ocorrido o fato gerador, surge o direito de exigir a prestação (direito de crédito).
- Os créditos submetidos aos efeitos da recuperação judicial são aqueles decorrentes da atividade do empresário antes do pedido de soerguimento, isto é, de fatos praticados ou de negócios celebrados pelo devedor em momento anterior ao pedido de recuperação judicial, excetuados aqueles expressamente apontados na lei de regência.
- Em atenção ao disposto no art. 1.040 do CPC/2015, fixa-se a seguinte tese: Para o fim de submissão aos efeitos da recuperação judicial, considera-se que a existência do crédito é determinada pela data em que ocorreu o seu fato gerador.
- Recurso especial provido.
(REsp 1840531/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/12/2020, DJe 17/12/2020)
(1) Acesso através do link: https://scon.stj.jus.br/SCON/pesquisa_pronta/toc.jsp?livre=@docn=%27000006886%27 No caso específico, há referência a julgados tanto da Terceira, como da Quarta Turma do STJ, todos mencionando precedentes da corte superior, no sentido de que “o crédito reconhecido em sentença trabalhista, decorrente de relação empregatícia anterior ao pedido da recuperação judicial, aos seus efeitos se submete”.
LINK PARA O ACÓRDÃO: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=2013206&num_registro=201902906232&data=20201217&formato=PDF
Fonte: Eduardo Allegretti.