É inegável que a pandemia causada pela Covid-19 teve alcance global, inclusive para além do campo da saúde. Em Porto Alegre não seria diferente: para o combate à proliferação do vírus, desde março de 2020, tanto o Governo Federal quanto o Estadual e o Municipal têm empreendido medidas legais para a regulamentação do novo “normal”.
Com isso se pretende dizer que Decretos de âmbito estadual e municipal têm sido liberados pelos governantes com uma velocidade que a sociedade, e em especial o cenário empresarial, não têm estrutura para suportar. Tal velocidade decorre das instabilidades causadas pelo número de contaminados em atenção à capacidade do sistema de saúde de Porto Alegre.
Ocorre que a instabilidade que gera a edição de novos decretos nem sempre reflete a necessária eficiência inerente aos provimentos legais, o que vem colapsando o comércio e a vida de muitas empresas. Esse ensaio não pretende rechaçar a importância da atuação governamental, mas sim ponderar que a cautela precisa integrar o plano de contingência de forma a garantir que, após o controle da pandemia, não sejamos terra arrasada em nossa economia.
Em termos práticos, desde 16 de março de 2020 a prefeitura de Porto Alegre editou 15 [1] Decretos Municipais, o que sobremaneira sujeita o cenário empresarial à instabilidade do texto legal, causando assim verdadeira insegurança jurídica, pois a motivação para restrição de atividades econômicas ora é pautada pela proliferação do vírus, ora por suposto risco à atividade pública. Essa situação vem sendo analisada pelo poder Judiciário [2] que, em muitas vezes, derroga o teor do Decreto em prol da realidade social.
A insegurança jurídica não pode fazer parte do rol de medidas legais do governo, pois num dia o Decreto libera as atividades econômicas e no outro, além de as restringir ainda imputa ao empresário penalidade pecuniária em caso de descumprimento, acreditando que tal pena, de cunho simbólico, irá reduzir os índices de contaminação. É ilógico, pois certo é que grandes aglomerações seguem acontecendo pela necessidade da população de trabalhar e deslocar-se por meio do transporte público, por exemplo.
[1] https://prefeitura.poa.br/coronavirus/decretos
[2] Mandado de Segurança impetrado contra o Município de Porto Alegre: 5013982-88. 2020.8.21.7000: Conforme consta do próprio Auto de Interdição Cautelar (Evento 1 - OUT12), a impetrante exerce atividade econômica de comércio e conserto de bicicletas, ou seja, atividade permitida, nos termos dos incisos XXXIV e XXXVII do art. 11 do Decreto nº 20.534/20. Outrossim, diante da situação excepcional que assola o cenário gaúcho em decorrência da pandemia ocasionada pelo COVID-19, a bicicleta, veículo reconhecido pelo Código de Trânsito Brasileiro, afigura-se como meio de transporte fundamental, sobretudo, em razão do aumento de serviço de entrega de mercadorias, como alimentos e medicamentos, de caráter essencial ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. Além disso, não há falar em risco ao interesse público, uma vez que a impetrante se compromete a cumprir com todas as cautelas recomendáveis para a preservação da saúde de seus colaboradores e clientes, assumindo o compromisso de prevenir o alastramento do contágio do coronavírus. Nesses termos, presentes os requisitos dos artigos 995 e 1.019, inciso I, do Código de Processo Civil, defiro o pedido de efeito suspensivo, para tornar sem efeito o Auto de Infração nº 496915, observadas todas as medidas de cautela previstas no art. 4º do Decreto Estadual nº 55. 154/20202 e no art. 22 do Decreto Municipal nº 20.534/20.
Fonte: Karen Lucia Bressane Rubim, advogada da Cesar Peres Dulac Müller.