Detentores de stock options querem que valores sejam classificados como trabalhistas.
Maior recuperação judicial do país, o processo envolvendo o Grupo Odebrecht está pela primeira vez levantando debate mais aprofundado sobre como lidar com funcionários ou ex-funcionários que se transformaram em credores em razão de créditos referentes à participação nos lucros e resultados (PLR) e a planos de remuneração e incentivos de longo prazo, baseados em opções de compra de ações (stock options).
A lista de credores da empresa coloca aqueles que têm PLR a receber como classe 1.
Isso significa que essas dívidas foram consideradas trabalhistas e deverão ser pagas no prazo de um ano. Já os detentores de uma espécie de stock option da companhia, classificada no processo como incentivo de longo prazo (ILP) foram alocados na classe 3. Onde estão os chamados credores quirografários, que não têm garantias e costumam sofrer os maiores cortes e demorar a receber.
Pelos dados da lista, os credores que têm PLR a receber somam perto de R$ 50 milhões. Já os que possuem ILP, somam mais de R$ 600 milhões.
O Valor teve acesso a documento de um grupo de credores que tem créditos ILP e foram listados na classe 3. Eles apresentaram ao juiz da recuperação uma impugnação contra a relação de credores.
Querem que esses créditos sejam reclassificados como dívida trabalhista.
As análises sobre se créditos advindos de PLR e de stock options têm ou não natureza trabalhista são mais frequentemente expressas pela Justiça do Trabalho.
Não há jurisprudência para discussões como essa no âmbito de recuperações judiciais simplesmente porque o caso Odebrecht é basicamente o primeiro a enfrentar o assunto em volumes tão significativos.
“Não é comum existir tantos créditos vultuosos assim na recuperação envolvendo funcionários e ex-funcionários”, afirma Thiago Dias Costa, do Felsberg Advogados.
“O normal é que haja um acordo com os executivos antes de o pedido de recuperação ser efetuado”. Marcio Guimarães, professor da Escola de Direito do Rio da FGV, complementa: “Como esses executivos costumam estar na frente desses processos de recuperação, acabam resolvendo a própria situação antes.”
Algumas fontes ouvidas pelo Valor e que preferem não se identificar acreditam que, diante das somas envolvidas com créditos decorrentes de stock options, se a empresa os tivesse alocado na classe trabalhista poderia inviabilizar o plano de recuperação. Do ponto de vista jurídico, afirma Costa, esse tipo de argumentação sobre o valor dos créditos não pode ser usada para decidir se integrará ou não a classe trabalhista. “Mas com uma lista dessa proporção, pode ser que a empresa tenha entendido que pagar um montante desses no curto prazo seria prejudicial aos demais credores”, diz.
Procurada, a Odebrecht informou que “eventuais discordâncias sobre classificação de créditos numa recuperação judicial são esclarecidas pelo administrador judicial e, na sequência, pelo juiz responsável pelo processo. À empresa, cabe seguir a determinação judicial”.
Tradicionalmente nas recuperações, créditos PLR vêm sendo listados na classe 1 e os stock options, na 3. A Alvarez & Marsal, administradora judicial da recuperação da Odebrecht, informa que seguiu o entendimento de que quando o crédito é derivado do trabalho (salário e bônus) deve ser reconhecido na classe 1. Esse tipo de remuneração costuma ser definido como de “caráter alimentar”.
Já os créditos decorrentes de stock options teriam natureza mercantil ou empresarial. São gerados por programas de retenção de executivos e são opções decompra de ações, que o funcionário pode exercer ou não. “O que pode estargerando alguma confusão é que algumas pessoas usavam parte do PLR para pagaro financiamento do ILP”, diz a Alvarez & Marsal. “Mas não importa de onde sai o dinheiro para pagar o ILP. Se o programa é o ILP, foi colocado na classe 3”, afirma a administradora judicial.
Antes de se dirigir ao juiz, o grupo de credores alocado na classe 3 questionou a Alvarez & Marsal sobre a decisão. A resposta foi que a natureza jurídica dessesplanos é controversa “oscilando entre a trabalhista e a empresarial”. E que a recomendação é sempre o exame caso a caso do plano. Após essa análise, a Alvarez & Marsal concluiu pela natureza empresarial.
O Valor teve acesso à argumentação de ex-funcionários que possuem o ILP e tentam agora demonstrar ao juiz que esse programa mais se assemelhava a uma remuneração de natureza trabalhista. Chamado de “Plano Odebrecht de Incentivo de Longo Prazo”, tinha o objetivo de bonificar e estimular a presença dos funcionários de alto escalão, que poderiam comprar ações de empresas da cadeia do grupo Odebrecht.
Os ex-funcionários procuram rebater os pontos utilizados pela administradora para classificar o plano como empresarial: adesão voluntária, efetivo desembolso de valores pelo empregado e manutenção do risco inerente ao mercado das ações.
Eles afirmam que a adesão ao plano não era voluntária porque, ao alcançarem determinado status dentro do grupo, diretores e administradores eram “compelidos” a aderir ao plano para assim poderem receber a remuneração a qual faziam jus.
Apesar de não estar expressa, havia a obrigatoriedade de adesão. No contexto de que, como empregados do Grupo Odebrecht, a recusa ao convite para se tornar parceiros estratégicos seria recebida como descomprometimento e desinteresse pelo crescimento das sociedades. A tese defendida pelos ex-funcionários é que a adesão era um passo necessário para preservarem sua posição e carreira.
As condições ainda eram unilateralmente definidas pela Odebrecht. Aos convidados, segundo a defesa, “cabia somente aceitar as condições do plano, pagando um valor determinado pela companhia, sem que fossem informados sobre a evolução de sua precificação ou sequer o detalhamento das sociedades cujas ações seriam adquiridas”.
Além disso, uma parcela de remuneração recebida a título de PLR seria obrigatoriamente destinada ao ILP - no caso do grupo reclamante, era de 20%. E quem recebia as ações não poderia vendê-las a terceiros. Obrigatoriamente tinha de vendê-las para a Kieppe, uma sociedade do Grupo Odebrecht usufrutária do direito de voto e participação referente às ações adquiridas.
Os créditos a receber de alguns dos reclamantes já derivam do dinheiro a que teriam direito após a venda dos papéis à Kieppe e não exatamente ao recebimento das opções de compra - o plano acabou sendo encerrado pela Odebrecht.
Guimarães, professor da FGV, diz ter o entendimento de que nem PLR nem stock options poderiam entrar como dívidas trabalhistas nesses processos. No caso da PLR, ele cita a Constituição, mais precisamente o artigo 7, que trata dos direitos dos trabalhadores, e seu inciso XI, que diz “participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei”. O que está dito, acrescenta, é que PLR não é uma remuneração. A exceção seria se o funcionário comprovasse que o plano faria parte do salário - por exemplo, se ele recebesse R$ 10 mil mensais, sendo metade salário e metade PLR.
Já no caso das stock options, ele afirma já estar chancelado o pelo TST que não têm natureza salarial. “É um pacote que existe para a retenção de talentos e tem natureza mercantil, não se trata de uma remuneração, mas de uma opção. O executivo pode exercê-lo ou não”, afirma Costa, do Felsberg, diz que o comum nas recuperações tem sido jogar o PLR na classe 1 e o stock option na classe 3. Mas ele destaca um ponto que assemelha à argumentação dos ex-executivos da Odebrecht e pode gerar discussão: quando o plano prevê que as ações sejam devolvidas para a própria empresa. “É que nesse momento é gerado um crédito ao funcionário decorrente dessa venda. Esse crédito não é mais uma stock option. E acredito ser possível defender que seja um crédito trabalhista”, afirma. “O ponto é que o que existe sobre isso é uma jurisprudência bastante confusa.”
O juiz não tem um prazo para responder à impugnação apresentada pelos credores e ela não interfere no andamento da recuperação da empresa. “O que se espera é que esses casos sejam apreciados e definidos antes da assembleia que vai aprovar o plano, até mesmo porque uma eventual mudança de classe implica a mudança do peso do voto desse credor no plano”, diz Guimarães.
Fonte: Ana Paula Ragazzi via Valor Econômico.