Investimento em startups no Brasil: o Contrato de Mútuo Conversível em Participação Societária.
Na era da tecnologia, o ecossistema de startups tem atraído muitas pessoas nas últimas décadas. Isso se deve, sobretudo, à rápida ascensão da economia digital, que proporcionou diversos casos de sucesso de empresas que hoje representam players gigantes no mercado, independentemente de qual setor atuam. Nesse contexto de iniciativas empreendedoras escaláveis, as startups se mostraram como um enorme atrativo a investidores ao redor do mundo.
No Brasil, esse avanço tecnológico e empreendedor mereceu a atenção do legislador, que desenvolveu regulamentações específicas para tratar desse chamado ecossistema de startups, como a Lei Complementar nº 155 de 2016 (Lei do Investimento Anjo) e, com ainda mais relevância, o Marco Legal das Startups (Lei Complementar nº 182).
As startups, na sua esmagadora maioria, iniciam sua operação com recursos escassos ou inexistentes. Neste momento, verifica-se a necessidade de captar financiamento com capital externo, seja por investidores pessoas físicas, Plataformas de Crowdfunding [1], Venture Capital ou Private Equity [2]. Dentre essas modalidades, uma que tem se mostrado frequente e atraído bastante atenção é a do investidor-anjo, um investidor que, a princípio, não integrará a sociedade, mas que acredita no potencial da ideia de negócio e assim aporta o capital para que a empresa inicie suas atividades [3]. É já desde esse ponto inicial que as partes precisam buscar uma formatação e uma formalização adequadas à relação para a proteção de ambas.
A fim de viabilizar esse investimento, existem alguns instrumentos jurídicos especificamente delineados para mitigar os riscos advindos dessas operações, como, por exemplo, o contrato de opção de compra de participação societária, o contrato de participação trazido pela Lei Complementar 155/2016, a criação de uma Sociedade em Conta de Participação (SCP) e o contrato de mútuo conversível em participação societária, que têm ganhado destaque nesse tipo de investimento nos últimos anos.
Diferentemente do contrato de mútuo previsto nos artigos 586 e 587 do Código Civil, que traz a obrigação da devolução de coisa fungível de mesmo gênero, qualidade e quantidade, o contrato de mútuo conversível traz ao investidor a opção de converter o crédito concedido à startup em participação no capital da sociedade [4]. Esse tipo de contrato tem origem nas 'convertible notes' norte-americanas, que representam naquela prática negocial uma maneira eficiente e rápida de realizar injeção de capital em startups.
Já no Brasil, o mútuo conversível é um instrumento que prevê cláusulas específicas dirigidas a prevenir riscos que acabam por, de certa forma, atrasar o processo de entrada do investidor no quadro societário.
Em virtude dessa adaptação do mútuo conversível, com diversas previsões e alternativas, inclusive a impossibilidade de retorno do investimento ou da entrada no quadro societário decorrente de um eventual insucesso da startup, o tema ainda causa discussões e opiniões diversas na doutrina e na jurisprudência. Nos últimos anos, foi possível verificar que alguns Tribunais reconheceram a operação como um mútuo normal e não como um investimento de risco, estabelecendo que a startup deve devolver o dinheiro ao investidor [5] [6].
Com isso, é essencial a inclusão de cláusulas que mitiguem o risco de uma judicialização do caso, como a previsão sobre perdão da dívida, também conhecida como 'write-off', que representa uma disposição contratual que permite ao credor perdoar parte ou a totalidade do valor emprestado, caso determinadas condições específicas sejam atendidas. Essa cláusula de perdão da dívida pode ser utilizada tanto para incentivar o cumprimento de metas ou marcos por parte da empresa devedora – por exemplo, para a obtenção de certos níveis de receita, lucros ou outras métricas de desempenho – quanto para proteger a startup caso o negócio não dê certo e venha a ter que encerrar suas atividades.
Destarte, o contrato de mútuo conversível mostra-se, atualmente, como o instrumento jurídico mais utilizado para viabilizar investimentos em startups nos primeiros estágios de sua trajetória. Com isso, tanto para o investidor quanto para a startup, contar com uma assessoria jurídica especializada que compreenda os riscos envolvidos é essencial neste momento. Uma assessoria qualificada pode garantir que todas as cláusulas do contrato de mútuo conversível sejam redigidas de forma clara e equitativa, protegendo os interesses de ambas as partes, antecipando e mitigando possíveis problemas futuros, assegurando que a startup possa focar em seu crescimento e desenvolvimento, enquanto o investidor tem a segurança de que seu investimento está protegido por um acordo bem estruturado.
[1] FEIGELSON, Bruno; NYBO, Erik Fontenele e FONSECA, Victor Cabral. Direito das startups. 1. ed. Saraiva: São Paulo, 2018. [2] RAMALHO, C.; FURTADO, C. V.; LARA, R. A indústria de private equity e venture capital: 2º censo brasileiro. 2011. Disponível aqui. [3] COELHO, G.T.; GARRIDO, L. G. Dissecando o contrato entre startups e investidores anjo. In: JÚDICE, Lucas Pimenta. NYBØ, Eirk Fontenele (Org.) Direito das Startups. São Paulo: Juruá, 2016. [4] ZIRPOLI, Rodrigo Domingos. Contrato de mútuo conversível em participação societária. São Paulo: Quartier Latin, 2023. [5] (TJSP; Apelação Cível 1094985- 22 37.2020.8.26.0100; Relator (a): Sérgio Shimura; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível - 19ª Vara Cível; Data do Julgamento: 08/11/2022; Data de Registro: 09/11/2022) [6] (TJSP; Apelação Cível 1012467-48.2018.8.26.0071; Relator (a): Sérgio Shimura; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Bauru - 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 24/08/2021; Data de Registro: 25/08/2021)
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