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Data: 22 de julho de 2019
Postado por: Gustavo Manica

Compliance trabalhista: mais do que uma prevenção

O volume de ações trabalhistas ajuizadas em 2018, em todo o Brasil, caiu 34% em relação a 2017, como consequência direta da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017). Entre janeiro e dezembro de 2018, as varas de primeira instância receberam 1,7 milhão de reclamatórias trabalhistas, contra 2,6 milhões no mesmo período do ano anterior, segundo dados compilados pelo Tribunal Superior do Trabalho.

Em que pese a significativa redução, a verdade é que as lides relativas às relações de emprego ainda abarrotam as varas desta justiça especializada. Do lado da parte reclamada, este quadro decorre da falta de cultura preventiva do empresariado, seja em razão da dificuldade de entender ou de se adequar à complexa legislação trabalhista.

O fato concreto é que poucas empresas contam com um competente setor jurídico interno apto a lidar adequadamente com questões atinentes às relações de emprego e à sua dinâmica diária. Ainda, os colaboradores que atuam no setor de recursos humanos (RH) pouco estendem seu conhecimento para além dos atos meramente administrativos, como recebimento de atestados médicos, por exemplo. Faz-se necessário, assim, manter pessoal preparado para lidar com diversas situações e que verifique, de forma antecipada, as situações de riscos antes que se transformem em passivos trabalhistas no futuro.

A falta de sintonia entre jurídico e RH decorre, muitas vezes, da desorganização interna das empresas, da falta de preparo e treinamento de seus prepostos e do foco meramente na logística. A organização desta estrutura é possível através da adoção de um programa de compliance.

O termo compliance tem origem na língua inglesa, derivando do verbo to comply, que significa ‘‘estar em conformidade’’. Assim, a empresa em compliance é a que obedece ao ordenamento jurídico, inclusive às normas públicas e administrativas. Esta conformidade não se refere somente às leis em geral, mas também às próprias regras internas da empresa, representadas por normas, códigos e demais diretrizes.

Para um programa de compliance ser efetivo, é necessário que a diretoria da empresa entenda, estimule e cumpra com as diretrizes traçadas no programa. Ainda, obrigatoriamente, todo o programa de compliance deve ser baseado em três pilares principais: prevenção, detecção e resposta.

A parte dedicada à prevenção se destina à criação de procedimentos, protocolos, técnicas de due diligence no que se refere à precaução e pesquisa sobre quem se contrata. Ainda, devem ser fomentados o treinamento contínuo e a preparação de líderes que comandarão os demais colaboradores, pois a cultura da empresa é influenciada por suas lideranças. Se estas estão genuinamente compromissadas com o compliance, então as outras pessoas na organização ficam mais motivadas a cumprir as obrigações. Ainda, a criação de um Código de Conduta, com ampla divulgação das políticas internas e que estimule a prática de procedimentos éticos, é essencial para criar um ambiente de honestidade e correção entre todos os colaboradores.

O pilar da detecção lida com o monitoramento das não conformidades, estando relacionado à necessidade de verificação contínua das atividades desenvolvidas e dos seus agentes. Aqui, estão inseridas as auditorias e as investigações internas e externas. Para monitorar o ambiente de trabalho, as empresas podem se valer de câmeras de vídeo, e-mails e canais de denúncia. Informações e sugestões de colaboradores e de terceiros também são úteis ao monitoramento de situações com potencial de colocar em risco as atividades da empresa.

O terceiro pilar concerne às respostas às não conformidades. Avaliam-se, aqui, as condutas com as políticas de consequências já previstas no Código de Ética da empresa. Assim, após a detecção do ato lesivo, deve haver uma consequência prevista e a sua correspondente punição.

As sanções disciplinares, além de fortalecer a execução do compliance, têm, pelo menos, três funções fundamentais, segundo a doutrina de Karla De Mattos Martins: a) punitiva (aplicar pena pela falta cometida); b) educativa (prevenir possíveis faltas futuras); e c) política (manter a ordem interna da empresa).

Para a correta identificação das situações que ensejariam a dispensa por justa causa, por exemplo, os gestores – e o setor de RH – devem estar capacitados para cumprir as etapas acima descritas, para não incorrer em desvios de conceitos e erros na análise de condutas. Isso evita que o ex-empregado, por meio de reclamatória trabalhista, consiga reverter a dispensa na Justiça.

O entendimento destas disposições e dos limites ao poder de punir se revela vital, para evitar injustiças. Isso também vale para casos que levem ao afastamento do empregado, para apuração de fatos graves, que deve ocorrer com discrição e em sigilo absoluto.

A Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013), no inciso VIII do artigo 7º, por exemplo, diz que o Código de Condutas deve ser levado em consideração na aplicação de sanções e penalidades. Por outro lado, a aplicação de penalidades desproporcionais pode gerar o dever de indenizar os trabalhadores na esfera moral, como prevê o artigo 186 do Código Civil.

Como visto, o compliance ultrapassa a mera prevenção jurídica típica. Trata-se de uma política orgânica, “de dentro para fora”, baseada não somente nas leis, mas, principalmente, na postura ética, correta e na filosofia de quem busca se manter em conformidade.

Fonte: Christian Charles do Carmo de Ávila, advogado da Cesar Peres Dulac Müller, é especialista em Direito do Trabalho.

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