Logo Cesar Peres Dulac Müller

BLOG CPDMA

Categoria:
Data: 11 de março de 2021
Postado por: Equipe CPDMA

A prorrogação do "stay period" na recuperação judicial após a Lei 14.112/20

A Lei 14.122 de 24 de dezembro de 2020 produziu uma série de alterações à Lei 11.101/05, dentre as quais a hipótese de prorrogação do chamado “stay period” (prazo de suspensão das demandas contra a devedora em recuperação judicial).

A regra consta do art. 6º, §4º e diz o seguinte: "§ 4º Na recuperação judicial, as suspensões e a proibição de que tratam os incisos I, II e III do caput deste artigo perdurarão pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contado do deferimento do processamento da recuperação, prorrogável por igual período, uma única vez, em caráter excepcional, desde que o devedor não haja concorrido com a superação do lapso temporal”. 

Ou seja, pelo novo texto, o prazo de suspensão somente poderá ser prorrogado uma única vez e desde que a recuperanda não tenha concorrido para a “superação do lapso temporal” (supõe-se tenha o legislador querido dizer “sem que a recuperanda tenha contribuído para a não deliberação sobre o plano de recuperação dentro do prazo de 180 dias").

A mudança em questão está em que, até então, a regra do art. 6º, §4º tratava tal prazo como improrrogável, independentemente de eventual motivo que justificasse o retardamento das deliberações sobre o plano.

Tal vedação (à prorrogação), como era mesmo de se esperar, foi desde sempre afastada pela jurisprudência, que identificou que o prazo de 180 dias tinha fundamento na concatenação dos atos processuais e prazos legais que culminariam com a deliberação sobre o plano de recuperação, após o que tal stay period perdia a razão de ser - se aprovado o plano, as obrigações por ele abrangidas se têm por novadas e passam a ser cumpridas nos termos em que previstas no plano; se, de outro lado, rejeitado o plano, convola-se a recuperação judicial em falência, e aí a suspensão se dá em função disto e para os fins do concurso universal.

Ou seja, em tese, a prorrogação do stay period não deveria nem sequer ser necessária.

Mas a prática desde logo mostrou - e os tribunais desde sempre compreenderam isto - que, o mais das vezes, o processo não se encontra maduro para a deliberação sobre o plano de recuperação judicial em 180 dias, sem que para tanto haja "concorrência do devedor”. As razões são as mais variadas, e vão desde a simples dificuldade de tramitação cartorária (são ainda poucas as varas especializadas) indo a entraves criados por credores ou eventualmente pela própria devedora; dada a natural complexidade do processo de recuperação, nada disso é de se estranhar nem deve ser visto como exceção.

Eventualidades como estas comumente se põem completamente fora do controle da recuperanda, do juízo ou da administração judicial; e ocorrerão, quer o legislador queira, quer não.

O que se quer dizer aqui é que tornar prorrogável o prazo que era improrrogável, mas estabelecendo que esta prorrogação se dê apenas por um único período predeterminado, nada mais é do que tornar mais longo o prazo que, ao fim e ao cabo, continua sendo improrrogável - e que, na prática, sempre foi prorrogado (mesmo quando “improrrogável").

O tempo do stay period deve ser tão extenso quanto necessário para a deliberação sobre o plano, evitando o asset grabbing que, de um lado, inviabiliza a atividade da devedora e o cumprimento do plano e recuperação e, de outro, esvazia os ativos que serviriam para a satisfação da comunhão de credores no processo de falência .

A preocupação com a duração razoável do processo é de se elogiar, mas como a experiência tem insistentemente demonstrado, não é a fixação de prazos que faz com que o processo tenha a tramitação que se idealizou. Para isto o necessário é dotar o processo de estrutura e ferramentas que permitam imprimir a tramitação adequada; é entregar aos cartórios e juízos a estrutura de trabalho suficiente ao volume de demandas; é prevenir a chicana processual e racionalizar os procedimentos.

Sem isso, tentar interpretar que o prazo que era improrrogável - mas que era prorrogado - deixou de sê-lo (prorrogável) porque se o fez mais longo, é defender que o prazo, seja ele qual for, é suficiente. Sabe-se que não é - ao menos não sempre, e não necessariamente. Até que seja, o sempre tão falado stay period deverá ser prorrogado por tanto tempo quanto seja necessário para que se delibere sobre o plano de recuperação, desde que, evidentemente, a recuperanda não tenha contribuído para o retardamento da tramitação do processo (como sempre foi entendido pela jurisprudência).

Fonte: Daniel Burchardt Piccoli, advogado e sócio da Cesar Peres Dulac Müller.

Voltar

Posts recentes

STJ decide que stock options (opção de compra de quotas ou ações) não podem ser penhoradas

No dia 05 de novembro, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu, por meio do julgamento do REsp 1841466[1], de relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, pela impossibilidade de penhora de stock options. O julgamento do caso centrou-se na possibilidade de um terceiro vir a exercer o direito de compra de ações em […]

Ler Mais
Governança em empresas familiares: estruturas e instrumentos essenciais

A governança corporativa em empresas familiares tem ganhado cada vez mais relevância no cenário empresarial brasileiro, no qual cerca de 90% das empresas possuem controle familiar. A ausência de um planejamento adequado para a sucessão do negócio e a dificuldade de manter a harmonia nas relações familiares, em muitos casos, culminam no fracasso da empresa […]

Ler Mais
A resolução nº586/2024 do CNJ e o futuro dos acordos na Justiça do Trabalho

No dia 30/09/2024 o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, por unanimidade, a Resolução nº 586, por intermédio do Ato Normativo 0005870-16.2024.2.00.0000, o qual disciplina a realização de acordo entre empregado e empregador na rescisão do contrato de trabalho, por meio de homologação na Justiça do Trabalho, com a quitação geral do contrato. Ou seja, […]

Ler Mais
A legitimidade das associações e fundações para o pedido de recuperação judicial e a nova posição do STJ.

No início do mês de outubro, a 3ª Turma do STJ, por maioria de votos, proferiu decisão em quatro recursos especiais (REsp 2.026.250, REsp 2.036.410, REsp 2.038.048 e REsp 2.155.284) se posicionando pela ilegitimidade ativa das fundações sem fins lucrativos para o pedido de Recuperação Judicial. A decisão, inédita até então, parece, em primeira análise, […]

Ler Mais
Governo do RS estabelece programa em recuperação II: parcelamento para empresas em recuperação judicial

O Governo do Estado do Rio Grande do Sul instituiu o Programa em Recuperação II, por meio do Decreto nº 57.884 de 22 de outubro de 2024, com o objetivo de permitir o parcelamento de débitos tributários e não tributários, de empresário ou sociedade empresária em processo de recuperação judicial, inclusive para contribuinte cuja falência […]

Ler Mais
Renegociação de R$ 60 bilhões em dívidas de empresas em recuperação judicial é regularizada pela PGFN

Com informações do Jornal Valor Econômico.Link da matéria original: http://glo.bo/3NOicuU Desde 2020, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) tem avançado em negociações para regularizar dívidas de empresas em recuperação judicial, resultando na renegociação de cerca de R$ 60 bilhões. O número de empresas regularizadas triplicou, atingindo 30% dos casos, graças a uma abordagem mais colaborativa da […]

Ler Mais
crossmenuchevron-down
pt_BRPortuguês do Brasil
linkedin facebook pinterest youtube rss twitter instagram facebook-blank rss-blank linkedin-blank pinterest youtube twitter instagram