Diariamente nos deparamos com novas realidades, sendo inconcebível nos colocarmos a par do incessante fluxo de informações e avanços tecnológicos que a sociedade nos impõe. Assim como o cidadão não consegue acompanhar o ritmo imposto pelo atual modus operandi da sociedade pós-moderna, a lei igualmente não dá conta de regular as novas necessidades que surgem a todo momento.
O ato de criar leis, constitucionalmente atribuído ao Poder Legislativo, é, notoriamente, um procedimento vagaroso que, por sua própria natureza, não consegue acompanhar o acelerado compasso dos avanços da sociedade.
É nesta lacuna temporal que, por diversas vezes, os tribunais de instâncias superiores são provocados a dar novos contornos ou até mesmo novas interpretações à norma, para que o sentido interpretativo atribuído esteja em consonância com a realidade da sociedade atual, não permitindo sua obsolescência.
Quando tratamos do Código de Defesa do Consumidor (CDC) - promulgado há exatos 30 anos - nota-se dinâmica similar a referida acima, em que o atual contexto social, informacional e tecnológico foi significativamente alterado, ensejando novas interpretações para além da literalidade formal dos dispositivos de lei. Dentro desse contexto de constante necessidade de reinterpretação e atualização das normas que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu modificar seu entendimento com relação a quem pode receber do consumidor produtos adquiridos que necessitem de conserto.
Pois bem, o artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor prevê que os fornecedores de produtos são solidariamente responsáveis pelos vícios por eles apresentados, de modo que, constatado o vício, o consumidor pode exigir a substituição das partes viciadas.
Em complemento, o parágrafo 1º do artigo 18 estabelece que se o vício não for sanado em até 30 dias, o consumidor pode exigir uma das três seguintes possibilidades: a) a substituição do produto por outra da mesma espécie; b) a restituição do valor pago; ou c) o abatimento proporcional do valor. No entanto, é importante fazer um destaque, o consumidor está condicionado a oportunizar que o fornecedor conserte o produto para que goze das prerrogativas do parágrafo primeiro.
Feita uma breve síntese do artigo de lei em pauta, cabe pontuar as inovações trazidas pelo recente entendimento do STJ. Em termos práticos, a realidade era que, quando era constatado um vício no produto, o consumidor era responsável por encaminhar o produto à assistência técnica – dentro do prazo prescricional de 30 dias para produtos não duráveis e 90 dias para produtos duráveis. Ocorre que, o STJ, por meio do julgamento do Recurso Especial n° 1.568.938, entendeu que toda a cadeia de fornecimento (fabricante, distribuidor e comerciante) responde solidariamente pela garantia de qualidade e adequação do produto perante o consumidor, tendo em vista que todos foram responsáveis pela disponibilização do produto no mercado.
A partir dessa noção, o STJ entendeu que é obrigação do comerciante receber os produtos que apresentarem defeito e fazer a intermediação de encaminhá-los à assistência técnica, diferentemente de como ocorria anteriormente, em que o consumidor era responsável por esta tarefa.
Assim, no entender da Corte Superior, esta nova dinâmica oferece ao consumidor a oportunidade de escolher qual forma lhe será menos custosa ou embaraçosa para exercer seu direito de ter o produto adquirido consertado, seja levando-o à assistência técnica, ao fabricante ou diretamente ao comerciante que lhe vendeu.
Desta forma, o STJ reitera a força protetiva que o consumidor detém no ordenamento jurídico brasileiro, ofertando mecanismos que tentem equilibrar a vulnerabilidade e a hipossuficiência do consumidor diante das grandes empresas.
Fonte: Felipe Meneghello Machado, advogado da Cesar Peres Dulac Müller.