Para desembargador, propaganda é de ‘abusiva depreciação’ e ultrapassou os limites da liberdade de informação.
Ao chegar a uma lombada, o motorista freia para que uma mulher e duas crianças desçam do carro. Segundos depois, assim que o motorista passou pelo obstáculo, os passageiros voltam ao veículo, enquanto um locutor diz “carro compacto não precisa ter altura de compacto”.
Em outra cena, um casal fica encolhido no banco traseiro e apresenta dificuldade para tirar o cinto de segurança. O locutor diz mais uma vez: “não é você que é alto demais. É seu carro que é compacto demais”. As cenas fazem parte de uma campanha publicitária do Renault Kwid, que foi considerada abusiva pela 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). O caso tramita sob o número 1045748-39.2017.8.26.0100.
A Volkswagen argumenta no processo que a propaganda da concorrente retrata o seu veículo em situações vexatórias e sem apresentar critérios objetivos que comprovem uma suposta inferioridade da marca alemã. Para os advogados do escritório Opice Blum, que defendem a empresa, a propaganda configurou uma concorrência desleal — sem a autorização de uso de imagem do veículo Up!, que ainda por cima foi ridicularizado. Por isso, a Volkswagen pediu uma indenização de R$ 900 mil e a proibição da publicação de novos comerciais ofensivos.
Já a Renault, defendida pelo escritório do advogado Paulo Gomes de Oliveira Filho, argumenta que os anúncios questionados “apenas refletem, de forma absolutamente transparente, os resultados” de medidas obtidas em avaliações de comprimento, distância entre eixos, altura ao solo, altura do banco do motorista e altura da cabine.
“A propaganda comparativa é uma prática publicitária lícita, e mesmo exibindo produto ou marca de produtos concorrentes – que no caso não ocorreu –, não configuraria ilícito porque teria por finalidade tão somente identificar os produtos que participaram da comparação, sem que isso provocasse confusão ao consumidor em relação à identificação, que é a função distintiva da marca”, defenderam os advogados Oliveira Filho e Mariana Sceppaquercia Galvão.
O acórdão
De acordo com o desembargador Cláudio Godoy, relator do caso no TJSP, a Constituição Federal, de fato, permite a publicidade comparativa como manifestação da livre iniciativa e o exercício da livre concorrência.
Entretanto, segundo o magistrado, o comercial não pode ultrapassar os limites da liberdade de informação. Para ele, a Renault ultrapassou esses limites ao formular uma propaganda de “abusiva depreciação” do concorrente.
Segundo Godoy, a ilegalidade do comercial é comprovada pela maneira como a Renault compara o seu produto ao da Volkswagen, utilizando expressões e imagens “desnecessariamente agressivas”.
“Na comparação se exaltam mais as críticas em relação ao produto da concorrência do que as próprias vantagens do produto da empresa anunciante”, entendeu o magistrado. Para o desembargador, a ofensa à Volkswagen não é afastada mesmo com o conteúdo humorístico presente no comercial.
Além disso, mesmo com a tentativa da Renault de descaracterizar o carro da Volkswagen, removendo os logotipos e faixas laterias, ainda assim é possível afirmar que o carro é da concorrente.
Sobre o trecho do comercial que ironiza o suposto pouco espaço que o carro da Volkswagen teria, o desembargador afirma que não há na peça publicitária qualquer dado ou informação objetiva que comprove a crítica. “Isto se faz mediante a inequívoca ridicularização do produto concorrente, desnecessária à comparação e desleal se nada de objetivo se demonstra a respeito”, assevera o magistrado.
O desembargador destaca que foi “emblemático que, tão logo notificados extrajudicialmente, os réus tenham retirado a campanha do ar”. Mesmo com a remoção, ele argumenta que houve o dano moral devido às visualizações anteriores e às notícias sobre o caso.
Apesar de condenar a Renault a pagar a indenização, que será calculada com base no número de dias que a publicidade ficou disponibilizada na internet, o magistrado rejeitou a solicitação da Volkswagen para que a Renault seja impedida de veicular novos comerciais ofensivos contra marcas ou produtos da Volskwagen.
“Não há possível controle preventivo que se faça de modo assim tão genérico, abstrato, vedando, em superfetação ao texto legal, novas e futuras ofensas que nem bem se sabe quais serão, se ocorrerem”, decidiu Godoy.
“Mesmo a vedação a uma publicidade que contivesse imagens ou referência ao produto das autoras não se poderia aprioristicamente vedar porque, como se viu, em si a publicidade comparativa não é vedada e pode ser veiculada de modo regular”, disse o desembargador.
Fonte: Alexandre Leoratti via Jota.