Logo Cesar Peres Dulac Müller

BLOG CPDMA

Categoria:
Data: 22 de abril de 2019
Postado por: Equipe CPDMA

Trabalho escravo e as consequências da aplicação do Direito Penal na Justiça do Trabalho

A prática do trabalho escravo é um dos assuntos mais em evidência na mídia e nos tribunais, por incrível que pareça, mesmo em pleno século XXI. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), 20 milhões de pessoas em todo o mundo são vítimas da escravidão contemporânea.

Tradicionalmente, esse tipo de mão de obra é empregada em atividades econômicas desenvolvidas nas áreas de produção de carvão e no meio rural – na pecuária e nos cultivos de cana-de-açúcar, soja e algodão. Nos últimos anos, essa situação também tem sido verificada em centros urbanos, especialmente na indústria têxtil e construção civil. Infelizmente, há registros de trabalho escravo em todos os estados brasileiros.

No ordenamento jurídico brasileiro, o Código Penal, em seu artigo 149, estabelece pena de ‘‘reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência’’, para aquele que ‘‘reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto’’. 

Ao contrário do que se imagina por escravidão, para configuração do crime do artigo 149 do Código Penal, não é necessário que se prove a coação física da liberdade de ir e vir ou mesmo o cerceamento da liberdade de locomoção. Basta a submissão da vítima ‘‘a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva’’ ou ‘‘a condições degradantes de trabalho”.

Trabalho escravo contemporâneo consiste na superexploração do trabalhador por aquele que, ao tomar seus serviços, visando ao lucro máximo, nega-lhe os direitos fundamentais assegurados na Constituição da República, especialmente a sua dignidade. 

Importante ressaltar aqui que não pode o trabalho escravo ser caracterizado por meras infrações trabalhistas, mas sim quando comprovado crime contra a dignidade do trabalhador. Todo ser humano nasce com os mesmos direitos fundamentais. Estes, quando violados, nos arrancam dessa condição e nos transformam em coisas, instrumentos descartáveis de trabalho. Quando um trabalhador mantém sua liberdade, mas é excluído de condições mínimas de dignidade, aí sim temos caracterizado trabalho escravo. 

Porém, as consequências na submissão do empregado a trabalho análogo ao de escravo não são somente criminais, já que a conduta também possui repercussão na Justiça do Trabalho. Ou seja, as empresas que se valem deste tipo de mão de obra estão sujeitas ao pagamento de indenizações altíssimas a título de dano moral coletivo. 

O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) publicou no dia 16/10/2017 a Portaria MT 1.129, na qual dispõe sobre os conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva e condições análogas à de escravo a serem observados pelos auditores no momento das fiscalizações.

Como já dito, não é qualquer descumprimento de normas trabalhistas que gera a incidência do tipo previsto no artigo 149 do Código Penal. Apenas se incrimina a conduta que acarrete a ‘‘redução à condição análoga à de escravo’’, o que pressupõe total menosprezo à dignidade da pessoa humana na relação de trabalho. Naqueles casos em que este é prestado sem mínimas condições de higiene, saúde e segurança ou, ainda, em jornada extremamente exaustiva.

Condição degradante de trabalho é, pois, aquela que transcende o exercício regular do labor, é aquilo que humilha o trabalhador para além das condições peculiares à atividade em si. 

Já a jornada exaustiva não se constitui naquelas simples horas extras, mesmo que habituais e corretamente remuneradas, e sim a que impossibilita o empregado de se relacionar e de conviver em sociedade por meio de atividades recreativas, afetivas, espirituais, culturais, esportivas, sociais e de descanso, que lhe trarão bem-estar físico e psíquico e, por consequência, felicidade. Ou o impede de executar, de prosseguir ou mesmo de recomeçar os seus projetos de vida, que serão, por sua vez, responsáveis pelo seu crescimento ou realização profissional, social e pessoal.

Para fins de reconhecimento do crime de redução à condição análoga à de escravo, e consequentemente condenação na justiça laboral, deve se exigir a comprovação de que a violação aos direitos do trabalho tenha sido intensa e persistente.

O mundo do trabalho está em constante transição. Assim, o magistrado deve, sopesando os princípios constitucionais e os direitos fundamentais, adequar ou não a conduta patronal ao tipo penal descrito no artigo 149 do Código Penal.

Destaco que a Justiça do Trabalho não deve se ocupar de ofensas que não atinjam, com tamanha gravidade, o objeto jurídico tutelado – a dignidade do trabalhador. Em outras palavras, o Direito Penal só deve ser invocado como último recurso. Ou seja, somente a sujeição do trabalhador a condições absolutamente indignas, com a violação à própria dignidade humana, é que deve configurar trabalho em condições análogas à de escravo.

Fonte: Alice Romero, advogada da Cesar Peres Dulac Müller, é especialista em Processo e em Direito do Trabalho.

Voltar

Posts recentes

O risco de não estar atento às modificações de uma marca

A marca de azeites portugueses GALLO aproveitou a proximidade da Páscoa e anunciou uma modificação na forma de apresentação da marca e do rótulo de seus produtos. Segundo o diretor de marketing da empresa, Pedro Gonçalves, a nova identidade visual foi inspirada em uma lenda sobre a origem da marca. Ele relata que em 1919, […]

Ler Mais
A proteção conferida às marcas de alto renome

Circulou nas últimas semanas em sites jurídicos a notícia de que a Justiça Federal teria anulado um registro para a marca “CHEVETTE DRINK”. O registro, com apresentação nominativa, foi considerado anulável por infringir o artigo 124, inciso VI, da Lei da Propriedade Industrial (LPI), que veda registro de sinais de caráter genérico, empregados comumente para […]

Ler Mais
Domicílio Judicial Eletrônico: empresas devem se cadastrar até 30 de maio

As grandes e médias empresas [1] de todo o país terão até o dia 30 de maio de 2024 para realizar o cadastro voluntário no Domicílio Judicial Eletrônico, ferramenta do Programa Justiça 4.0 que centraliza informações e comunicados dos processos dos tribunais brasileiros. Encerrado este prazo, os cadastros serão feitos de forma compulsória, a partir […]

Ler Mais
A instabilidade no Instagram e Facebook teria sido consequência de decisão judicial?

Houve especulações nos últimos dias se a instabilidade das redes sociais Instagram e Facebook teria se dado por reflexo da decisão judicial proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que determinou a abstenção de uso pela Meta Platforms, INC., dona das plataformas, da marca ‘META’, registrada primeiramente no Brasil pela empresa Meta Serviços […]

Ler Mais
Uso indevido de marca por ex-sócia pode ser reconhecido não apenas como concorrência desleal, mas também como má-fé.

Em 14 de fevereiro foi veiculado no jornal “Valor Econômico”, matéria na qual é apontado que o Tribunal de Justiça de São Paulo teria reconhecido a concorrência desleal em uso indevido de marca por ex-sócia. A notícia, contudo, não informa o número do processo no qual seria possível analisar maiores detalhes da decisão, mas informa que os indivíduos teriam firmado contrato de […]

Ler Mais
As primeiras sanções aplicadas pela Agência Nacional de Proteção de Dados Pessoais — ANPD; foram como um sinal de alerta para as empresas: a LGPD é uma lei séria e deve ser cumprida.

A Lei Geral de proteção de Dados Pessoais — Lei n. 13.709/18 (LGPD) foi publicada em 2018 e entrou em vigor em 2020. Este prazo foi concedido às pessoas jurídicas de direito público e privado (agentes de tratamento) que coletam, armazenam ou tratam dados pessoais de pessoas físicas, no Brasil ou no exterior para se […]

Ler Mais
crossmenuchevron-down
pt_BRPortuguês do Brasil
linkedin facebook pinterest youtube rss twitter instagram facebook-blank rss-blank linkedin-blank pinterest youtube twitter instagram