Em virtude da pandemia do Covid-19, mais conhecida como coronavírus, bem como respeitando o Decreto Legislativo nº 6, de 20 março de 2020, que declarou estado de calamidade pública em todo o território do nacional, estados e municípios publicaram medidas para evitar a aglomeração de pessoas, a fim de reduzir a disseminação do vírus. Dentre estas medidas, destaque para a proibição da abertura temporária de vários estabelecimentos, como shopping centers, escolas, universidades, entre outros.
Conforme as autoridades públicas de saúde, o contágio se dá com extrema facilidade, sendo necessário aplicar uma política de isolamento da população. A finalidade, em que pesem os inconvenientes da quarentena, é nobre: preservar vidas humanas. Assim, todos devem trabalhar para a redução de riscos dos trabalhadores, dos familiares destes, dos diretores e dos colaboradores de uma empresa, evitando que contraiam e disseminem indiscriminadamente o vírus. A prioridade é a vida.
Tais situações, no entanto, vêm ocasionando incertezas e insegurança jurídica nas relações de trabalho. Uma das principais dúvidas é quanto à aplicação do artigo 486 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para responsabilizar o estado ao pagamento dos encargos trabalhistas. Este tema específico ganhou alta relevância na mídia e nas redes sociais.
O artigo 486 da CLT, em seu caput, informa: “No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável”.
Para o Direito do Trabalho, tal circunstância só ocorre quando a Administração Pública impossibilita a execução da atividade do empregador, provocando a paralisação temporária ou definitiva da empresa, ficando responsável pelo pagamento de indenizações aos trabalhadores.
O doutrinador Sergio Pinto Martins cita o seguinte exemplo: “(...) ocorreu em São Paulo, mais precisamente na rua das Palmeiras, que foi fechada para a construção do Metrô. Não passavam veículos no mencionado logradouro, e os pedestres, para utilizarem a referida via, tinham certas dificuldades, dados os tapumes, buracos, terra que enfrentavam. O comércio naquele local praticamente ficou inutilizado, sendo que muitas empresas fecharam”.
Ou seja, a previsibilidade do fato que gerou suspensão das atividades comerciais se originou de um ato público. Assim, a Administração Pública foi a causadora do prejuízo da atividade profissional, ensejando ao pagamento de indenização pelo governo aos trabalhadores daquelas empresas. Tal situação é conhecida no mundo jurídico como ‘‘fato do príncipe’’ ou factum principis.
Entretanto, o parágrafo único do artigo 1º da Medida Provisória nº 927, reconhecida pelo Decreto Legislativo nº 6, determinou a possibilidade de ‘‘força maior’’, nos termos do artigo 501 da CLT.
Acontecimentos de ‘‘força maior’’ são até previstos, mas não podem ser impedidos, como terremotos, inundações, pandemia etc. Em outras palavras, não decorrem da ação humana, mas de eventos de natureza ambiental, como no caso dos desastres naturais.
De acordo com o artigo 501 da CLT, se entende como ‘‘força maior’’ todo o acontecimento inesperado e inevitável, em relação à vontade do empregador, e para realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente.
Contudo, é extremamente raro o reconhecimento da Administração Pública como causadora do prejuízo, uma vez que devemos levar em consideração o direito à vida, previsto no caput do artigo 5º da Constituição Federal.
A jurisprudência sinaliza que somente se aplica o artigo 486 da CLT quando houver prenúncio do fato que originou a suspensão parcial e total da atividade comercial.
Assim, concluímos que o artigo 486 da CLT não se aplica nos casos de ‘‘força maior’’, como pandemia, principalmente se tratando de pandemia global. Neste caso, para frustração de muita gente, o Poder Público tem sua responsabilidade eximida, uma vez que nenhum direito poderá se sobrepor ao direito à vida.
Fonte: Rafael Franzoi, advogado da Cesar Peres Dulac Müller, é especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho.