Altos executivos têm sido condenados por violar cláusulas contratuais de não concorrência. Os juízes do trabalho, em geral, estabelecem multas, muitas vezes milionárias, aos funcionários que descumpriram o que foi acordado. Em uma rara decisão, porém, a Justiça foi além, impedindo um administrador de atuar para a concorrência.
Na sexta-feira, a juíza Katia Bizzetto, da 62ª Vara do Trabalho de São Paulo, concedeu tutela de urgência (espécie de liminar) à UBS Brasil Corretora de Câmbio, Títulos e Valores Mobiliários. A decisão proíbe um ex-diretor executivo da companhia de exercer cargo de administração na Ideal Corretora de Títulos e Valores Mobiliários, sob pena de multa diária de R$ 60 mil.
A decisão é importante, segundo o advogado que assessora a UBS no processo, Maurício Pessoa, do Pessoa Advogados, por evitar um prejuízo maior. "Esse mercado é muito competitivo e volátil e um dia de trabalho na concorrência já pode trazer consequências, como compartilhamento de segredos e transmissão de conhecimento de mão de obra qualificada. A multa não repara o dano causado", diz.
De acordo com o processo, o então diretor executivo pediu demissão da UBS no dia 14 de março e muito antes do período de quarentena (no caso, de um ano) declarou para o Banco Central a sua intenção de administrar a Ideal. Ele estava na empresa desde fevereiro de 2008. Pela cláusula de não concorrência, receberia, como contrapartida, salário mensal durante esse período fora do mercado.
Na liminar, a juíza Katia Bizzetto destaca que "a nomenclatura do cargo [desempenhado na UBS] e o valor do salário recebido - R$ 55.869,73 -evidenciam que o demandado não era um empregado comum e que detinha fidúcia especial, com acesso a informações sigilosas e estratégicas para a consecução da atividade-fim da autora, que é empresa corretora de títulos e valores mobiliários".
Para ela, "o risco de utilização de tais dados privilegiados em operações no mercado financeiro é suficiente para a determinação da medida preventiva pretendida, diante do potencial prejuízo à parte autora." Na decisão (processo nº 1000643-06.2019.5.02.0062), a juíza ainda determinou a expedição de ofícios para que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o Banco Central tomem conhecimento do caso e as providências cabíveis.
A liminar foi dada no início do processo, sem que a juíza ouvisse a parte contrária, o que é permitido em casos urgentes.
Por isso, o executivo ainda não tem advogado nomeado.
Em outros casos, a Justiça tem estabelecido pesadas multas a executivos. Recentemente, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo - 2ª Região manteve decisão que condenou um ex-diretor estatutário da BRF, que saiu da empresa em outubro de 2013 e entrou na concorrente JBS em 2014 (processo nº 1000643-06.2019.5.02.0062).
O executivo, com salário de aproximadamente R$ 55 mil na JBS, foi condenado a pagar indenização de cerca de R$ 4 milhões, em valores atualizados, por ter violado cláusula com a BRF. Ficou estabelecido entre as partes que pelo prazo de três anos o administrador só poderia se dedicar exclusivamente aos negócios e interesses da sociedade, "sendo-lhe vedado trabalhar direta ou indiretamente para terceiros concorrentes".
Para Maurício Pessoa, que também assessora a BRF, decisões como essa reafirmam o espírito da reforma trabalhista, ao separar o hipossuficiente do hipersuficiente. "São altos executivos, com remuneração elevada, e que, mesmo assim, descumpriram o que previa essas cláusulas", afirma. Procurado pelo Valor, o advogado do ex-diretor da BRF não deu retorno até o fechamento da edição.
Em outros processos, discute-se a validade da cláusula de não concorrência. Um operador do mercado financeiro, que trabalhou na BGC Liquidez Distribuidora de Títulos Imobiliários, não conseguiu cancelar o acerto firmado. Ele teria que ficar afastado do mercado por três meses, recebendo indenização de 50% do seu salário, que era de R$ 320 mil.
O TRT de São Paulo manteve sentença proferida pela juíza Solange Aparecida Gallo Bisi, da 31ª Vara do Trabalho de São Paulo (processo nº 1002049-63.2016. 5.02.0031). Ela levou em consideração que "o período de não concorrência é razoável, que há a previsão de indenização que possibilite a subsistência digna do autor durante esse período e que não há impedimento para que o reclamante exerça outra atividade".
O advogado Ciro Ferrando de Almeida, do Tenório da Veiga Advogados, que assessora o operador do mercado financeiro, afirma que recorreu ao Tribunal Superior do Trabalho (TST). Segundo ele, o processo trata de reconhecimento de vínculo empregatício entre a BGC e o operador, que teria sido forçado a constituir uma empresa fraudulenta. O pedido não foi aceito em primeira e segunda instâncias.
Sobre a cláusula, entende que não poderia ser aplicada, por te sido imposta. De acordo com ele, já existem anulações de cláusulas semelhantes também firmadas com a BGC no TRT do Rio de Janeiro. Em um caso analisado recentemente, a relatora, desembargadora Giselle Bondim Lopes Ribeiro, entendeu que "a invalidade, portanto, é patente pois a indenização prevista mostra-se insuficiente para repor a perda financeira que o autor teria se deixasse de trabalhar em sua atividade no período correspondente, onerando-o em demasia".
No caso, a cláusula foi firmada com a remuneração incorreta. Consta apenas o salário fictício de R$ 8 mil anotado na carteira de trabalho de um operador de mercado financeiro (processo nº 0101739-88.2016.5.01.0038). Porém, para o advogado Maurício Pessoa, que defende a BGC no caso paulista, a cláusula é perfeitamente válida e tem que ser cumprida.
Fonte: Adriana Aguiar via Valor Econômico.