Há tempos se discute acerca do ciclo de vida das organizações, chegando-se a comparar esse ciclo com organismos vivos que crescem e morrem. Ichak Kalderon Adizes, consultor de negócios e estudioso dos comportamentos das organizações, definiu os estágios desse ciclo de vida na seguinte ordem: Infância, Pré-Adolescência, Adolescência, Plenitude, Estabilidade, Aristocracia, Pré-Burocracia, Burocracia e Morte. Percorrem-se, nesta trajetória, períodos de incertezas até o amadurecimento e declínio. O que diferencia a continuidade ou morte de uma empresa é a forma como ela trabalha os momentos de crise e as ferramentas que utiliza na busca do soerguimento do período de declínio.
Porém, quando uma crise vem assolar um grupo empresarial, torna-se imperioso identificar os rumos para a manutenção do core business, conhecendo as causas da crise e as ferramentas necessárias para implementar o turnaround. Nesse momento, é importante explicitar os aspectos práticos da reestruturação dos grupos empresariais e os possíveis entraves que um processo de recuperação judicial poderá ter.
Ao requerer a recuperação judicial de um grupo empresarial, os representantes precisam atentar tanto para o preenchimento das formalidades estabelecidas na regra geral, como para a apresentação de balanço patrimonial e demonstração de resultados acumulados. Quanto ao preenchimento específico para pedidos que englobam mais de uma empresa, demonstrar, por exemplo, comunhão de direitos ou de obrigações relativamente ao processo e ocorrência de afinidade de questões por ponto comum de fato ou de direito.
Superada a primeira etapa – depois de autorizada pelo Judiciário a reunião de todas as empresas no polo ativo da demanda, o que se denomina de litisconsórcio ativo facultativo –, parte-se para a segunda fase. Nesta, se definirá se cada empresa terá de apresentar seu plano de pagamento individualmente (o que denominaremos de consolidação processual) ou se será possível apresentar um único plano para todas as empresas (o que denominaremos de consolidação substancial).
Na consolidação processual, cada uma das empresas possui obrigações autônomas e absorverá de forma exclusiva o resultado de seu plano de recuperação judicial. Os atos são autônomos, como a publicação dos editais do rol de credores e a convocação de assembleias para deliberação do plano de recuperação, observada a singularidade de cada sociedade.
Na consolidação substancial, não há separação dos ativos do conglomerado econômico. E mais: o rol de credores é unificado, a apreciação do plano se dá em votação única na forma do artigo 45, parágrafos 1º e 2º da lei recuperacional e a aprovação ou rejeição do plano se estende a todas as sociedades do grupo, afastando-se a autonomia jurídica.
A consolidação substancial é medida excepcional e deverá ser adotada quando se verifica, principalmente, confusão patrimonial entre as sociedades que pleitearam a recuperação judicial. Fatores como a similitude de sócios, o reconhecimento do mercado em atuação conjunta do grupo e as garantias cruzadas também deverão ser considerados na análise pelo juízo.
Resta saber, após esse ‘‘juridiquês”, quais os impactos econômicos, financeiros e patrimoniais resultantes de cada um dos procedimentos, e eis aqui o ponto mais relevante.
Em caso de consolidação substancial, o grupo empresarial poderá alocar os seus recursos da forma como melhor lhe aprouver. Isso significa que é possível alienar, por exemplo, um ativo de grande valor da empresa “a” para pagamento do passivo das empresas “b” e “c”. Ainda nesse cenário, é possível utilizar a liquidez do caixa de uma empresa para cumprimento de obrigações das outras recuperandas; logo, a reorganização se torna maleável à realidade do grupo. Em contrapartida, em caso de decretação de falência, todo o grupo entra no estado de insolvência e liquidação de ativos.
Outrossim, nos casos de consolidação processual, a receita e os ativos deverão ser utilizados exclusivamente pela empresa que os detém. Por consequência, uma empresa que esteja com déficit de caixa, ausência de liquidez ou sem patrimônio para fazer frente ao seu passivo, não poderá se socorrer das suas “parceiras comerciais”. Por sua vez, caso uma das empresas convole em falência, via de regra, esta não se estenderá às demais empresas do grupo, mantendo-se a autonomia patrimonial da pessoa jurídica.
Conclui-se que não se pode tratar a reestruturação de grupos empresariais da mesma forma como se trata o soerguimento de uma única empresa. A previsibilidade dos possíveis cenários é fator inafastável para o sucesso do negócio do conglomerado econômico, uma vez que um eventual erro de estratégia poderá significar a morte de todas as empresas do grupo, saudáveis e não saudáveis, como um vírus letal.
Fuente: Wagner Luís Machado, abogado de Cesar Peres Dulac Müller, se especializa en Derecho Comercial.